Seguindo dicas da internet (um texto que envelheceu como leite)

Melyssa K.
5 min readDec 27, 2021

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Pequeno manual de sobrevivência para dias tenebrosos

Ando lendo qualquer material de qualidade duvidosa que me ajude a lidar com o término, dentre eles artigos aleatórios de gente que entende tudo do assunto, seja por experiência ou estudo, gente que acha que sabe muito, mas sabe na verdade o que todo mundo sabe — e não é muito, e saber, às vezes não quer dizer nada, o negócio é sentir – sei de várias coisas que não sinto, e por isso não me comunicam nada, meu espírito vem do sentir – na terra de ninguém: vídeos do YouTube de pessoas que romperam um casamento de anos e agora precisam lidar com uma casa silenciosa e um porta-retratos sem foto na prateleira de livros acima da cama, em minhas pesquisas, encontro também casais que após anos separados, resolve dar outra chance ao relacionamento. Compreendo por senso comum que esperança é a última que morre, no entanto, as minhas espero que me levem ao Jornal Nacional com a seguinte manchete: Jovem de 20 anos assassina esperanças a sangue frio em praça pública, o homicídio ocorreu no último dia 27 de dezembro de 2021, segundo a jovem a intenção era “iniciar o Ano Novo sem pendências amorosas ou pensamentos positivos sobre o futuro”. Aliás, o uso do termo “superação” quando nos referimos a relacionamentos que acabam é especialmente interessante. Tenta-se sobrepujar o quê, exatamente? O relacionamento falido — aqui, tenho ciência que “falido” dá um tom de derrota às coisas, e um relacionamento que não deu certo não é bem um fracasso, é só um relacionamento que não deu certo, nem o primeiro nem o último do mundo, muito provavelmente. Isso se Jesus não voltar logo e acabar com essa papagaiada de coração partido ou a angústia que se instala na gente trazendo apenas uma única certeza: é o meu fim. Acabou?

Ocorreu no dia 22 de dezembro, eu estava chorando de soluçar — e tudo bem chorar em posição fetal por ter perdido o potencial amor da sua vida, mas fazer isso, aí já é demais também — então, fazendo bom uso do meu tempo (lembrem-se que tenho 20 anos e só tenho mais 10 anos para fazer minha vida dar certo) liguei para uma amiga, e enquanto ela me ouvia em um silêncio afetuoso pesquisei: COMO SUPERAR UM TÉRMINO, desse jeitinho mesmo, no Google (que é o que qualquer pessoa adulta faria). Encontrei muitas opções, dentre elas: postar fotos em redes sociais para mostrar que a fila anda e a vida continua (porque a fila anda e a vida continua, de fato), pintar o cabelo, viajar, ir a festas, conhecer pessoas novas, me divertir e toda uma lista de coisas que eu provavelmente não vou ficar solteira tempo suficiente para fazer. Nada contra minha terapeuta, ou a terapia, tenho até amigos que deveriam fazer, a propósito. Mas é que lá, naquele espaço seguro e honesto, as coisas fazem sentido, e na maioria das vezes, esse padecimento não faz, é só essa passivo-agressividade dentro de mim, a vontade de desfalecer no sofá ouvindo “ All I Ask” e empreender toda competência vocal no refrão:

ALL I ASK ISSSS / IFFFFFF THIS IS MY LAST NIGHT YOOOOUUU/ HOLD ME LIKE I’M MORE THAN JUST (drive pesado, por favor) A FRIEEEEND”.

Dia desses minha amiga de apartamento chegou e me pegou desse jeito no sofá: desfalecida e chorando copiosamente enquanto ouvia a rainha da sofrência britânica. Até o sofrimento precisa ser elegante. Minha amiga, por sua vez, achou que eu estava tendo uma convulsão, mas era só a dor que naquela hora tinha inventado de aparecer. Inclusive, inventar é uma palavra boa. As coisas inventam de doer, no momento mais inoportuno possível, aquele dia em que você tem uma reunião importante com seu chefe ou uma semana antes do natal e a falência emocional se mistura à física e você precisa trabalhar de home office e fica parecendo que na verdade você tirou seu próprio recesso de fim de ano mas não! eu juro! De qualquer maneira, a dor não te manda uma mensagem avisando que vai chegar: Atenção! Desmarque seus compromissos! Hoje a caravana das lembranças do relacionamento rompido chega, e devido a um problema de amnésia seletiva, deixamos pela estrada todos as memórias desagradáveis e incômodas que te levaram à decisão do término, ficaremos, nesses primeiros meses — três segundo a ciência — com as boas memórias e os 365 motivos para reatar a relação que já estava aos frangalhos.

Com algumas idas e vindas da terapia e um pouco de vergonha na cara, sabemos, ou melhor, sentimos, que não acabou. Digo, a vida, o relacionamento é provável (e saudável) que sim. Isso conforta um pouco, mas às vezes também causa certa ansiedade: “dor, eu já sei que vai passar, como já sei disso, você pode fazer a gentileza de ir logo? Tem uma vida que eu gostaria de apreciar, e sendo bem honesta, não dá pra fazer isso se estou ocupada deitada na minha cama ouvindo a discografia completa da Adele”. Que bobagem, já falamos sobre isso: é de ordem do sentir, saber não basta.

O texto mais esclarecedor sobre términos que li saiu na BBC News em dezembro de 2019, escrito pela jornalista Edwina Langley, sob o título de “Como superar a tristeza de uma separação, segundo a ciência”. É claro, esse “segundo a ciência” ajuda muito na hora de organizar as emoções, não importa que não exista uma fórmula mágica para lidar com o término, o importante é que segundo a ciência: “uma pesquisa publicada recentemente na revista científica Journal of Experimental Psychology, por exemplo, avaliou a eficácia de três estratégias: pensar negativamente sobre o ex; aceitar seu amor pelo ex; e se distrair pensando em coisas boas que não têm nada a ver com o ex”.

Outro artigo, também da BBC News, dessa vez de William Park, sob o título “A surpreendente vantagem de emendar um relacionamento no outro” me levou a pensar sobre outro aspecto quase que insuportável de términos: carência. Você pode estar conversando com uma pessoa interessante que conheceu em um aplicativo ou na rua, e seu potencial próximo relacionamento pode ter aparecido assim, rapidinho, sem avisar. Ou você pode estar projetando o que foi perdido com o término em outra pessoa que vai desempenhar um papel coadjuvante e mal pago nessa novela que você criou e é um péssimo roteirista. Mas e então, o que é a verdade e o que é a carência? Voltamos às leituras: “Os estudos de Tashiro na Universidade de Maryland mostram que encontrar um novo parceiro e o tempo decorrido desde a separação não tiveram efeito nas pontuações de amadurecimento. Portanto, dedicar um tempo para voltar à cena do namoro não necessariamente o deixará melhor em termos de auto-aperfeiçoamento — e você pode estar se enganando ao pensar que cresceu de qualquer maneira.” Ou seja, sem boas notícias por aqui, ou você vai passar pelos cinco estágios do luto, e aí, quem sabe, abra-se a possibilidade de dias melhores pós-separação, ou vai entrar em um novo amor correndo e torcer para não ser uma tentativa de rememorar o que você já teve. Ou, uma outra opção um pouco mais sarcástica e contemplativa: você pode olhar no espelho e rir de si mesmo. Com 36 anos é possível que você nem mesmo lembre dessa neblina emocional e do ser sem contornos que você é desde que se instalou o fim. Com 36, espero, saberá (e eu também saberei) de maneira muito clara que a vida é muito sobre um coração partido, mas é mais que isso também: a vida é de graça.

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