Já foi linguagem, agora é com o corpo

Melyssa K.
2 min readAug 24, 2024

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O amargo superlativado que chegou rasgando

Melly explicou em entrevista que amaríssimo é superlativo de amargo. Esse é um disco sobre amadurecimento, sobre como o amor é essa coisa sensível, doce, mas em algum nível, amaríssimo.

Embora fluente em leitura de mim, sei que algumas coisas minha linguagem não alcança. Há algumas noites atrás, em sonhos me vi repetindo um discurso para alguém que não me ouvia. Em completo devaneio e necessidade de elaboração, eu perseguia meu ouvinte explicando tempos e movimentos, analisava palavras, ações, destrinchava olhares e atribuía significado a tudo que pudesse de alguma forma, no retorno e ao me ouvir falar, organizar emocionalmente minha angústia. Em dado momento, vi meu interlocutor disperso, com sono, cansado de mim. Mas como tudo é mistério, quando acordei, algo havia mudado. Meu corpo entendeu: talvez o decantamento dessa angústia não viria de um saber cuja repetição esclarece, mas da intuição, daquilo que não vejo nem ouço, mas posso sentir, vem de dentro. As respostas, que podem ser múltiplas — porque também a origem do sofrer tem muitas camadas—, chegam no tempo em que devem chegar, da forma que quiserem, em um ritmo que desconheço, mas por reminiscência, sei dançar, afinal, aquilo que não sei existe para me encantar.

É cada vez mais certo que mesmo aquilo que me acontece, opera em uma lógica contrária àquela que espero, é alheio à todas as minhas referências e mecanismos, tem sabor próprio, pode ser doce, mas também amaríssimo. Entendo com o passar dos dias, que o caminho é o corpo, me guio pelo sentido: hoje, a vontade de tocar, o beijo, o abraço, o riso, a palavra que vem direto do coração, enche a boca e escapa “eu te amo”. Amanhã, talvez, eu seja inteira de silêncio. Como premonição escrevi há um tempo no meu diário: “que eu tenha a capacidade de cuidar do amor, seja ele manso, sereno e macio. Ou seja ele selvagem, coisa monstruosa capaz de me arrebentar os ossos. Em todo caso, só peço, por favor: que eu saiba amar”. E é nesse cenário quando me sinto tão frágil e miúda que me surpreendo com o quanto luto pela beleza, pela nova vida que emergiu em mim e me pertence porque vem de experiências de fome e eu me descobri faminta, a isso, serei sempre grata, mesmo que o amor não seja aquilo que planejei.

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